sábado, 28 de março de 2009


Lembro-me bem das vezes em que passava férias na casa de uma tia, cuja casa tinha uma piscina com 2 metros de profundidade. Eu, nanica e medrosa, colocava a bóia, o colete salva-vidas, amarrava uma cordinha no colete e na escada da piscina e não desgrudava da escada por nada. Foram vários anos assim. Meus primos? Pulavam de costas, rodopiavam, desciam no escorrego, nadavam de um lado para o outro, enfim, aproveitavam cada centímetro daquele lugar.
Com o tempo, fui ficando interessada em provar daquela diversão que eles gozavam tão facilmente. Sempre hesitante, de início tentava me descolar da escada. Depois de muito tentar o q consegui foi me afastar 30 centímetros da escada e segurar na borda. Até que com muito custo fui me afastando mais, ainda com a corda me prendendo a escada e ao colete e claro que com as bóias nos braços. A cordinha tinha função de me alertar até onde podia ir.
Foi difícil, mas com mais anos passando, consegui me libertar da cordinha no colete. Embora me sentisse muito insegura e desprotegida, afinal, contar com a proteção do colete e das bóias não me parecia muito prudente. Mas com hesitação que me é natural, oscilava entre soltar a escada e explorar um pouco mais a extensão da piscina ou fi(n)car parasitamente na escada.
Um grande medo me assolava e tentava me prender, embora muitas vezes já nem soubesse mais o que estava temendo. Parecia ter criado o medo do medo. E nesse conflito constante, às vezes retrocedia, mas em passos curtos, conseguia me libertar. Confesso que em muitos momentos meus primos não me ajudavam muito, sempre ameaçando me jogar na piscina sem “proteção”, me puxando para o fundo, enfim, valendo-se de sua segurança e sem temer o que para mim eram os mistérios da piscina, eles quase que me torturavam.
Encurtando essa minha história, pois se foi cansativo viver isso, não precisar se tornar também cansativo a sua leitura, fui deixando a escada, ganhando confiança não sei bem em que, mas confiava que podia soltar a escada. Depois me vi tirando o colete, até que... as bóias ficaram. Sentia-me literalmente mais leve. Literalmente um peso saía de meus ombros. Conseguia até sentir mais água molhar o meu corpo.
Enquanto ficava grudada na escada decidia em que momento mergulhar a cabeça e me molhar. Com a liberdade que ia adquirindo percebia que não controlava totalmente o limite entre a água e o meu corpo. Cada vez mais tornava-me parte da água e a água parte de mim. Nossos movimentos fluíam e conduzia um ao outro. Como num passe de dança, que por mais que você não saiba todos os passos que o(a) companheiro(a) fará, é levado mesmo assim a se movimentar em sintonia com o corpo dele(a).
Foi necessário mais um tempo para que tirasse a bóia. Tirei e aí sim conheci a liberdade plena. Hoje eu pulo, mergulho...o que estiver ao meu alcance eu faço. A escada foi muito importante para mim, uma companheira fiel. Não me abandonava, ou melhor, eu não a abandonava de maneira nenhuma. Mas embora ela me permitisse estar ali, pois era através dela que me sentia segura, ela me engessava. Era bom tê-la, mas me pergunto: como seria não tê-la? Ela me proporcionava o que imaginava precisar, quando na verdade me apartava do que realmente necessitava: a liberdade.
O colete e a bóia vieram em complemento a segurança dada pela escada. Eram importantes, mas eram menos paralisadores. Com eles podia ao menos flutuar.
Alem do medo real de me afogar, enquanto criança, minhas primas e eu, criamos um medo fantasioso. Tínhamos por lei não ultrapassar a metade da piscina a noite. Acreditávamos que poderíamos encontrar tubarões, fantasmas, coisas não identificadas. Até hoje há quem prefira não arriscar.
Bom, histórias do passado são sempre boas de se relembrar. Essa é uma dessas que vale a pena passar a diante. Não é engraçada, nem alegre, nem triste...mas pode nos levar a refletir sobre muitas coisas. Medo! Liberdade! Atitude!
Apesar de considerar o medo algo necessário, sei que em algumas situações esse medo extrapola o limite, deixando de ser saudável. Para uns ele é algo instintivo, sob um ponto de vista evolucionista ele é necessário para nossa sobrevivência, outros acreditam que ele é adquirido e incorporado com relação a cultura.
Mas o que eu observo é que desde criança somos submetidos a situações em que nossos familiares, amigos (amigos?rs), músicas etc parecem nos treinar para ter medo. Quem nunca ouviu “Boi, boi boi, boi da cara preta pega essa criança que tem medo de careta”, “O homem do saco vai te pegar...”, enfim, são tantas ameaças.
Sinceramente, com tanta investida, não considero muito difícil entender o por que é tão comum sentir medo, e medo de coisas que não passam de criações de nossa mente fértil e temerosa.
Quem tem medo do lobo mau? Todos nós! Seja lá o que for o meu ou o seu lobo mau. Mas a despeito do medo, tornar-se livre está sempre ao nosso alcance. Depende de nós: ficar na escada ou misturar-se com a água.
...continua...

Débora E. N. Lomba

2 comentários:

  1. "Eu naum gosto de piscina"
    (diria a Verônica... rsrsrs)

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  2. hahaha pensei que vc ia dizer que ainda usa o colete e a boia huaauhauhuahuahuahuahuahua.
    mas de qualquer maneira medo é sempre um tema que me interessa muito tanto que estou lendo medo líquido isso você já sabe neh

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